Afastado de circuitos turísticos, o bairro é celeiro de jovens estilistas e reduto de ótimos restaurantes.
PARIS - O Canal Saint-Martin, no
10º arrondissement, foi construído por Napoleão, a partir de 1802, para
levar água limpa para a região central de Paris. Na segunda metade do século
XIX, serviu de cenário para pinturas impressionistas de nomes como Alfred
Sisley, um dos destaques do acervo do Museu d'Orsay. Em 1936, Edith Piaf gravou
uma música que celebrava o lugar e, dois anos depois, Marcel Carné filmava ali
"Hôtel du Nord" - onde hoje há um ótimo restaurante, que mantém o
mesmo nome. Na literatura, foi cenário de livros de autores como Georges
Simenon. A região, um pouco afastada dos principais circuitos turísticos
parisienses, é de fácil acesso de metrô. Ainda assim, não é um lugar muito
frequentado por turistas, não há gente tirando fotos com câmeras ou celulares.
Mas isso está mudando. Entre outras razões porque o bairro é celeiro de jovens
estilistas e também reduto de alguns dos melhores restaurantes que integram o
movimento chamado bistronomique, como Astier e Le Chateaubriand, que apostam na
combinação entre comida de alta categoria, bom serviço e preços acessíveis
(menus com até sete pratos ficam na faixa dos 40 euros). Também há muitos
restaurantes étnicos, sempre bons e baratos, porque esta área é habitada por
imigrantes, de olho nos aluguéis mais em conta. O Canal St-Martin apresenta
margens perfeitas para um piquenique e é um resumo de Paris: plural, reúne
história, cultura, moda e boa gastronomia. Só que com preços mais camaradas.
Que tal duas taças de champanhe com tapenade e torradinhas por 12 euros?
Um dia de pães, lojas e grafites
Há várias maneiras de se iniciar um
passeio pelo Canal Saint-Martin. Comecei o meu descendo na estação de metrô da
Place de la République, e fui caminhando até o canal, não mais que cinco
minutos andando pela Rue de Faubourg-du-Temple. Também é possível chegar até
ali saltando na Gare de L'Est, e até na Gare du Nord, um pouco mais afastada.
Escolhi a République por um motivo simples: começar pelo fim, no caso, o ponto
onde o canal passa a correr debaixo da terra, formando um boulevard que vai até
a Place da la Bastille.
Logo que chego ao canal, vejo dezenas de
pessoas observando o nível de uma eclusa subir, para permitir a passagem de um
barco. Algumas estão em local estratégico, debruçadas sobre uma das muitas
pontes de pedestres, em aço, que ligam os dois lados do St-Martin. Se fosse no
Sena, veríamos todo mundo tirando fotos, mas aqui não há turistas, e os
moradores presenciam a mesma cena várias vezes por dia. O canal, diferentemente
de grande parte da cidade, é dos parisienses, e não dos turistas.
Não há Rive Gauche nem Rive Droite, mas
Quai de Valmy, na margem esquerda de quem sobe em direção à La Villette, e o
Quai de Jemmapes, na direita, que foi o meu primeiro caminho, já que almoçaria
no Hôtel du Nord, no número 102. Passear pelo Canal St-Martin é um programa
para qualquer dia da semana, mas vale saber que, nos fins de semana, as pistas
que margeiam o canal são fechadas ao tráfego de veículos.
Um roteiro perfeito começa pela manhã, com
um piquenique à beira d'água ou no Jardin Villemin, que parece uma miniatura do
Central Park nova-iorquino. Os pães podem ser comprados em uma boulangerie como
a Du Pain et des Idées, que já ganhou várias vezes o prêmio de melhor croissant
de Paris. E também merecia ser laureada pelo seus pães recheados (o de linguiça
é sensacional); o chamado "pain des amis", uma espécie de focaccia;
os escargots, pães redondos, enrolados como a concha de um caracol, com
recheios diversos, de pistache e chocolate, por exemplo; o citron nougat, um
torrone com limão, e o mouna, um brioche doce amanteigado, feito com flor de
laranjeira, originário do norte da África, o que dá um tom regional à padaria
totalmente artesanal de Christophe Vasseur.
Se a sua programação matinal for outra, dá
para fazer o piquenique mais tarde. Basta copiar os franceses e se munir de
queijos, embutidos, pães, saladas e até pratos quentes, vendidos em muitas
lojas da região, para ter um belo almoço à beira do canal. Não se esqueça de
comprar também uma garrafa de vinho (que pode ser aberta na própria loja) para
ser apreciado em um copo de plástico mesmo. Voilá, o Canal St-Martin é perfeito
para isso.
- A região é hoje uma lançadora de
tendências. É o novo bairro branché de Paris, ligado no que é
novidade. Jovens estilistas abrem na área do canal seus primeiros ateliês, onde
desenham peças únicas, exclusivas. Depois do sucesso, eles podem ir para o
Marais, onde o aluguel é bem mais caro. Há lojas de marcas mais conhecidas
também, como a A.P.C. - conta o guia Osimar
Pinheiro, (…). - A cultura "biô", de
alimentos orgânicos, é muito forte por aqui, como a rede de supermercados
Naturalia. Há ainda galerias de arte de jovens artistas, casas de jazz e muitos
bares.
Ou seja: para entender o que é Paris hoje
parece fundamental passear pelo Canal St-Martin. Vamos seguindo pelas margens,
reparando no povo fazendo piqueniques, no estilo despojado de vestir, nas
pontes de ferro trabalhado, nas muitas paredes grafitadas. Explorando as ruas
adjacentes encontramos bares de vinho, cafés e restaurantes como o Le Verre
Volé, especializado em rótulos "biô". Ou o Fuxia L'Epicerie, onde é
possível beber duas taças de champanhe Pommery petiscando uma saborosa tapenade
de azeitonas verdes com torradas, por apenas 12 euros - acho que nas áreas mais
turísticas de Paris nunca paguei menos de 10 euros por uma única taça de
champanhe. Ou ainda o Bob's Juice Bar, casa de sucos badalada, e o Chez Prune,
que é um pouco de tudo, bar-café-restaurante de esquina para ser apreciado a
qualquer hora do dia, e um dos responsáveis pela revitalização da área.
Para as compras, a região apresenta uma
linda seleção de lojinhas e outras nem tão petite assim, nas quais
encontramos peças diferentes e originais, como as da estilista Liza Korn, uma
das primeiras a chegar ao bairro. A livraria Art Azart, especializada em artes
gráficas e plásticas, arquitetura, design, fotografia e moda tem um acervo
totalmente branché. Também não dá para passar sem notar a Antoine et Lili,
lojinhas coloridas à beira do canal que são um dos cartões-postais do lugar,
com suas graciosas fachadas que rendem ótimas fotos.
Chegando ao Boulevard de la Villette, o
passeio pode continuar do outro lado da avenida, onde fica o Bassin de la
Villette, uma espécie de continuação, mais larga, do St-Martin. De lá partem
barcos que fazem passeios por essas águas (incluindo um trecho subterrâneo,
perto da Place de la Bastille); há cinemas nas duas margens; gente lendo livros
ou jogando pétanque, uma espécie de bocha francesa, e, claro fazendo piqueniques
e bebendo vinho.
Escolha
difícil: gastronomia francesa ou cardápio étnico?
Pedi ao concierge do Fouquet's Barrière,
um dos melhores hotéis de Paris, para tentar uma reserva no Le Chateaubriand,
perto do Canal Saint-Martin e o mais importante dos bistronomiques, eleito mês
passado pela revista inglesa "Restaurant" como o melhor da França e o
nono melhor do mundo. Mas era segunda-feira e, assim como tantos outros bons
lugares da cidade, estava fechado. O concierge me sugeriu então outra opção nos
arredores do canal:
- Há vários bons endereços por ali, com
bons preços. O Hotel du Nord, por exemplo, tem ótima comida, além de ser um
lugar interessante.
Cheguei pontualmente às 14h, e preferi
ficar no salão, no estilo clássico dos bistrôs de Paris, com paredes de
azulejo, chão quadriculado, mesas e cadeiras de madeira já bastante gasta, e um
bar. As mesinhas do
lado de fora também estavam convidativas.
Um pequeno quadro-negro - apoiado em uma lambreta na rua - listava as
sugestões do dia. Naquela tarde ensolarada de início de
primavera, a "formule du midi" estava interessante, com abobrinhas
glaceadas com queijo de cabra de entrada e, para o prato principal, duas
opções: entrecôte com polenta cremosa e molho de pimenta ou filé de peixe com
ratatouille e sauce pistou, o molho pesto francês. O menu em duas etapas custava honestos 13,50
euros. Bom, não? Mas resolvi investigar o cardápio normal, e fui muito feliz. Pedi um ravióli de queijo de cabra, uma deliciosa montagem, com uma manta
de massa coberta por um ótimo chévre com tomate, rúcula e lascas de
grana padano. Para acompanhar, uma taça do Sauvignon Blanc Attitude, de Pascal
Jolivet, a 4,50 euros. O prato principal foram costeletas de cordeiro, macias e
saborosas, grelhadas no ponto certo, com interior rosado, servidas com folhado
de legumes grelhados (tomate, berinjela e abobrinha), uma saladinha e um molho
apimentado sensacional, que fez toda a diferença. Pedi, então, uma taça do
Côtes de Castillon Chateau Les Demoiselles, também por 4,50 euros. Bela dupla.
O almoço saiu por cerca de 30 euros, com direito a um armagnac no final e a
wi-fi gratuito.
A região do Canal St-Martin também é
famosa pelos restaurantes de comida étnica, especialmente da África e da Ásia.
O nome mais conhecido é o Le Cambodge, de cozinha do Camboja, ex-colônia
francesa. Mas a cuisine du terroir tem o seu lugar. Osimar Pinheiro, o guia (…) que me acompanhou em parte do passeio pelo
bairro, diz que um programa clássico aos
domingos é o brunch na La Cantine de Quentin:
- É uma delicatessen que valoriza os
ingredientes locais mais frescos, os melhores produtos da região, a
matéria-prima de cada estação. Algo que está bem na moda.
Para quem termina o passeio no Bassin de
la Villette, uma boa pedida é jantar lá por cima mesmo, no 18º arrondissement.
Uma opção é o La Table d'Eugène, indicado como "Bib Gourmand" pelo
Guia Michelin, o que significa bom e barato, e também pelo jornal "The New
York Times". O chef Eugène Sue, com passagens pelo Plaza Athénée e pelo Le
Bristol, faz uma cozinha criativa com base clássica, onde aparecem receitas
como espaguete de abobrinha, pata negra com caviar de berinjela e cordeiro
cozido por sete horas. O melhor é pegar o metrô na estação de Riquet, no Bassin
de La Villette, e ir até Mercadet-Poissoniers, perto do restaurante.
'O melhor
restaurante da França' é bom, bonito e até barato
Logo abaixo do Canal Saint-Martin, a umas
três quadras ou menos de dez minutos caminhando a partir do final do canal,
onde começamos nosso passeio, está uma das melhores amostras dos
bistronomiques, reunindo pelo menos três ótimos endereços dessa categoria de
restaurantes bons, bonitos e baratos. A começar pelo Le Chateaubriand, do chef
Iñaki Aizpitarte, que é uma espécie de líder e principal nome desse movimento.
Ainda que o primeiro lugar entre os
restaurantes franceses na lista organizada pela revista inglesa
"Restaurant" seja certamente um exagero, o Le Chateaubriand, na
Avenue Parmentir, é hoje um dos endereços mais disputados da cidade. A casa tem
menu degustação em cinco etapas por 33 euros no almoço, ou 39 euros no jantar.
O preço é uma piada se comparado aos dos restaurantes nas áreas mais nobres da
cidade. Conseguir uma mesa ali não é fácil. Uma boa tática é chegar umas 21h30m
e tentar um lugar para o segundo serviço da noite, que começa por volta das
22h, e não aceita reservas.
No fim do ano passado, o chef Iñaki
Aizpitarte inaugurou o Le Dauphin, pertinho, na mesma Parmentier, mais voltado
à arte espanhola do tapear - cada porção custa entre 8 euros e 12 euros. Além da
comida e da fama do chef, o projeto é assinado por Rem Koolhaas, badalado e
ousado arquiteto holandês. Para o restaurante ele criou um ambiente moderno,
com mármore branco, mesas e cadeiras de madeira e paredes espelhadas.
Publicado por Bruno Agostini - 05/05/2011
Fonte : O Globo . Boa Viagem

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